Entenda por que descendentes de japoneses (nikkeis), respeitados no Brasil, se envolvem em crimes no Japão. Uma análise sobre a crise de identidade e o isolamento social.
A comunidade nikkei brasileira carrega um honroso estigma no Brasil: o da ética, do trabalho árduo, da honestidade e da educação rígida. São cidadãos modelo, raramente envolvidos em atividades criminosas ou em situações de vulnerabilidade social. Essa imagem de integridade faz com que o fenômeno da criminalidade entre descendentes de japoneses no Japão seja tão chocante e complexo.
No entanto, ao cruzarem o oceano e se tornarem trabalhadores, uma parcela desses indivíduos experimenta uma profunda crise de identidade. Notícias de brasileiros detidos no Japão por furtos em lojas de conveniência, roubos de veículos e, em casos mais graves, homicídios, assustam a própria comunidade. O detalhe intrigante é que a maioria desses indivíduos não possuía nenhum antecedente criminal no Brasil. Eram, em sua essência, pais de família e trabalhadores comuns.
O que acontece na psique do nikkei quando ele se torna um dekasegi? O que transforma o cidadão modelo do Ocidente no fora-da-lei do Oriente?
O Declínio Social e a Queda de Status
No Brasil, o descendente de japoneses é frequentemente elevado a uma posição de prestígio social implícito. Ele é visto como “o japonês”, associado à inteligência e capacidade.
Ao chegar no Japão, a realidade é brutal. Ele não é mais “o japonês” respeitado, mas sim o gaijin (estrangeiro). Automaticamente, ele é relegado à base da pirâmide social, frequentemente realizando os trabalhos considerados sujos, perigosos e difíceis, conhecidos como os 3K (Kitsui, Kitanai, Kiken).
Essa inversão de status, de uma posição de respeito para o isolamento social e a marginalização, é um fator crucial. A perda de identidade e a sensação de não pertencimento minam o senso de responsabilidade social que era inabalável no Brasil.
Teoria da Anomia e a Falta de Freios Morais
Sociólogos apontam para um caso clássico de anomia – a ausência ou o colapso das normas sociais. Longe do olhar vigilante da família, dos vizinhos e da comunidade que os conhecia desde a infância, e não sendo totalmente acolhidos pela sociedade japonesa, o freio moral pode se soltar.
- A Solidão: O isolamento social severo, agravado pela barreira linguística e cultural, pode levar ao desespero e à busca por saídas extremas.
- A Revolta: O ato criminoso pode ser uma forma distorcida de “retribuição” contra uma sociedade que, embora os utilize como mão de obra, os rejeita socialmente e os trata como cidadãos de segunda classe.
- Perda de Pertencimento: Quando as regras daquela sociedade deixam de fazer sentido, a responsabilidade de ser um “cidadão exemplar” é enfraquecida. O indivíduo sente que não pertence a lugar algum – não é totalmente brasileiro lá, nem totalmente japonês aqui.
A Pressão Financeira e o Gatilho do Crime
Muitos buscam o Japão com o objetivo de quitar dívidas ou juntar dinheiro rapidamente. Quando a promessa de prosperidade não se concretiza, a economia aperta, as horas extras somem e a vergonha de retornar ao Brasil como um “fracassado” pode ser um gatilho devastador.
Neste cenário de estresse extremo e desespero financeiro, o furto, o golpe ou o roubo pode parecer, na mente deturpada, a única maneira de preservar a honra e o compromisso financeiro com a família que permaneceu no Brasil. É um paradoxo social: a busca pela honra financeira leva à desonra criminal.
O Debate Necessário
A disparidade é inegável: pilar da moralidade pública no Brasil, mas presente nas estatísticas carcerárias de estrangeiros no Japão.
A questão permanece: O ambiente de isolamento social e a rigidez da sociedade japonesa “empurram” o brasileiro para a marginalidade, ou isso é uma falha de caráter que estava apenas adormecida no Brasil? Por que a pobreza no Brasil não leva o nikkei ao crime, mas a dificuldade no Japão, sim?
**Portal Mundo-Nipo**
