A internet supera a TV no Japão, desafiando a mídia tradicional e a democracia. Entenda o dilema das câmaras de eco e o futuro do jornalismo japonês.
A paisagem midiática do Japão passou por uma transformação sísmica. Pela primeira vez em 2023, o tempo de uso da internet durante a semana superou o tempo gasto assistindo à televisão em todas as faixas etárias. Em 2024, essa diferença apenas se aprofundou, confirmando uma mudança de comportamento fundamental entre os consumidores de notícias e entretenimento, de acordo com o Ministério de Assuntos Internos e Comunicações.
Os jovens japoneses, em particular, estão cada vez menos expostos à mídia tradicional, como jornais e TV. Embora o Yomiuri Shimbun ainda ostente a maior circulação mundial, a leitura de sua edição matinal despencou de mais de 10 milhões de exemplares em 2010 para 6,2 milhões em 2023. Essa queda na circulação é um sintoma claro do declínio da influência dos veículos tradicionais.
YouTube e Redes Sociais Dominam o Consumo de Informação
Enquanto a mídia impressa e televisiva perde terreno, plataformas digitais prosperam. O YouTube atinge mais de 80% dos usuários em todas as faixas etárias no Japão. Criadores de conteúdo, os chamados “explicadores”, com frequência ofuscam os profissionais de mídia estabelecidos. No X (anteriormente Twitter), a penetração ultrapassa 40%, onde a velocidade da opinião e da informação não verificada muitas vezes se sobrepõe ao fact-checking.
Esse novo cenário de consumo de mídia, dominado pela internet e pelas redes sociais, levanta questões cruciais não só para o futuro do jornalismo tradicional, mas também para a democracia japonesa.
O Dilema da Desinformação e as “Câmaras de Eco”
A artista de mangá japonesa Mayumi Kurata, também comentarista de TV, trouxe o dilema para o centro do debate ao criticar a linguagem discriminatória online. Suas palavras tocaram em um ponto nevrálgico: em um mundo onde qualquer um pode ser editor, como o público pode se manter informado? E qual é, afinal, o papel restante da mídia tradicional?
Kurata observa que essa diferença no consumo de informação — entre a lentidão cautelosa da TV e o bombardeio opinativo das redes — está criando uma desconexão na consciência do público. As redes sociais tendem a criar câmaras de eco, onde os usuários são expostos majoritariamente a informações que reforçam suas crenças, distanciando-os de visões divergentes.
“Diferentemente da TV, as mídias sociais bombardeiam os usuários com as opiniões daqueles que apoiam suas próprias ideias. Isso cria câmaras de eco,” explica Kurata.
Críticas à Mídia Tradicional e a Busca por Audiência
A desconfiança na mídia tradicional japonesa cresce, em parte, pela percepção de que ela é lenta em corrigir informações falsas. Kurata aponta que as relações com anunciantes e as restrições legais dificultam a transmissão de conteúdo sem considerar as intenções do partido no poder, gerando ceticismo.
A pressa por audiência também impulsiona a mudança. Uma análise do Kyodo News sobre os vídeos do YouTube relacionados à eleição de julho revelou que a maioria dos 100 mais assistidos eram clipes curtos, sem afiliação política, com linguagem provocativa e sensacionalista. O conteúdo de veículos de comunicação tradicionais foi pouco visto.
- Foco no Superficial: Kurata vê uma tendência perigosa em que o público prefere os pontos principais superficiais à discussão aprofundada.
- Vantagem dos Vídeos Curtos: Para os espectadores, vídeos curtos são suficientes; para os criadores, são mais fáceis de produzir, gerando mais receita por visualização e incentivando o uso de linguagem extrema para atrair cliques.
Equilíbrio e o Futuro do Jornalismo no Japão
Apesar das críticas, a internet traz potencial. Kurata sugere que a facilidade com que influenciadores e celebridades podem chamar a atenção dos jovens para a política pode, inclusive, aumentar a participação eleitoral no futuro.
A solução, na visão de Kurata, é o equilíbrio: usar a mídia tradicional e as mídias sociais para complementar as deficiências uma da outra. A TV e os jornais devem incorporar os aspectos positivos das plataformas digitais, aproveitando a capacidade de edição e a agilidade da internet, para que a influência significativa da mídia tradicional não seja desperdiçada em um declínio contínuo.


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