A tecnologia transformou a experiência do dekassegui no Japão. Veja como a vida digital superou as dificuldades de comunicação e remessa de valores.
A migração de brasileiros de ascendência japonesa para o Japão, conhecida como fenômeno Dekassegui (termo que significa “trabalhar fora de casa”), começou a ganhar força a partir de meados da década de 1980. Impulsionada pela profunda crise econômica e hiperinflação no Brasil, e pela demanda japonesa por mão de obra não qualificada, essa jornada era marcada por desafios e precariedades que, hoje, parecem relíquias de um passado distante, especialmente se comparadas à vida digitalizada e conectada do dekassegui atual.
A seguir, exploramos as principais dificuldades enfrentadas pelos pioneiros dos anos 80/90 e como a tecnologia e a evolução dos serviços simplificaram drasticamente a vida do migrante.
📞 Comunicação: O Peso da Distância e do Dinheiro
A saudade era, talvez, a maior carga emocional, e a comunicação, o maior obstáculo prático e financeiro.
| Aspecto | Década de 1980/1990 (O Passado Caro) | Dias Atuais (O Presente Gratuito) |
| Meio Principal | Cartas, telefonemas internacionais. | Aplicativos de mensagens e videochamada (WhatsApp, Telegram, Zoom). |
| Custo | Extremamente caro. Ligações por minuto em cabines telefônicas (o “orelhão”) ou de telefone fixo, pagas com cartões telefônicos internacionais. O orçamento familiar era comprometido para um breve contato. | Essencialmente gratuito, utilizando Wi-Fi ou dados móveis a custo fixo mensal. |
| Qualidade e Praticidade | Baixa. Filas nas cabines telefônicas, horário restrito para aproveitar tarifas mais baratas (madrugada) e qualidade de áudio que muitas vezes dificultava a clareza. | Alta. Conversa em tempo real, com vídeo e áudio de alta definição, permitindo o contato visual e a participação imediata em eventos familiares a milhares de quilômetros de distância. |
| Frequência | Esporádica e planejada, ditada pelo custo. | Diária e espontânea, ditada pela vontade. |
💰 Remessa de Valores: O Drama da Espera e da Insegurança
O principal objetivo do dekassegui era o retorno financeiro, mas enviar o dinheiro para a família no Brasil era um processo lento, caro e arriscado.
| Aspecto | Década de 1980/1990 (O Passado Lento) | Dias Atuais (O Presente Instantâneo) |
| Procedimento | Envio de dinheiro em envelope para empresas intermediárias ou bancos. O procedimento era burocrático e muitas vezes dependia de malotes físicos. | Transferências digitais via aplicativos de bancos ou plataformas de remessas online. |
| Tempo de Espera | Quase uma semana para a compensação e crédito na conta no Brasil. A urgência era ignorada pela lentidão do sistema. | Horas ou até minutos (dependendo da plataforma e do horário). O processo é quase instantâneo (como o PIX no Brasil). |
| Custo/Taxas | Altas taxas de câmbio e tarifas de serviço bancário/financeiro, que consumiam uma parte significativa do valor remetido. | Taxas muito mais competitivas, com cotações de câmbio atualizadas e a possibilidade de comparação entre diversas fintechs. |
Guardar e Compartilhar Memórias: Do Risco de Perda ao Backup na Nuvem
Manter-se presente na vida da família e guardar lembranças da vida no exterior era uma tarefa dispendiosa e com alto risco de perda.
| Aspecto | Década de 1980/1990 (O Passado Físico) | Dias Atuais (O Presente Digital) |
| Registro de Fotos | Câmeras com filmes fotográficos de 12, 24 ou 36 poses. | Câmeras de celulares, com armazenamento quase ilimitado. |
| Compartilhamento | Era necessário revelar o filme em laboratório, esperar as fotos ficarem prontas, e enviá-las fisicamente por correio para o Brasil. | Fotos e vídeos são enviados instantaneamente por aplicativos ou armazenados na nuvem (Google Fotos, iCloud). |
| Segurança | Alto risco de perda. Se o filme fosse danificado, ou as fotos fossem perdidas no correio, a memória se perdia para sempre. | Quase zero. O backup automático em nuvem garante que, mesmo que o celular seja roubado ou quebrado, as memórias estarão seguras e acessíveis de qualquer lugar. |
🌐 Outras Precariedades Resolvidas pela Tecnologia
Além dos pontos cruciais de comunicação e dinheiro, outros aspectos da vida do dekassegui eram repletos de desafios hoje superados:
- Orientação e Localização:
- Antes: Dependência de mapas de papel e da limitada capacidade de se comunicar em japonês para pedir direções. A perda de rotas era comum e estressante.
- Agora: Aplicativos de GPS (Google Maps) fornecem rotas detalhadas em tempo real, em português, com opções de transporte público, carro ou a pé. A orientação é instantânea e multilíngue.
- Barreira do Idioma:
- Antes: O desconhecimento do japonês era uma grande barreira para o dia a dia, desde a leitura de etiquetas de produtos no supermercado até a compreensão de documentos oficiais.
- Agora: Aplicativos de tradução em tempo real (como o Google Tradutor) permitem tradução de textos com a câmera, voz e digitação. O celular virou um intérprete de bolso que facilita a integração básica.
- Acesso à Informação e Notícias:
- Antes: O contato com o Brasil era restrito a jornais em língua portuguesa com circulação limitada e notícias enviadas por terceiros, muitas vezes atrasadas.
- Agora: O acesso a portais de notícias, redes sociais, rádio e TV brasileiros é imediato e gratuito pela internet. O dekassegui está a par dos acontecimentos no seu país de origem em tempo real, minimizando o sentimento de isolamento cultural.
- Busca por Emprego:
- Antes: A procura por trabalho dependia de agências de empreiteiras (muitas vezes com pouca transparência), indicações boca a boca ou anúncios em jornais específicos.
- Agora: Plataformas online e grupos em redes sociais especializadas facilitam a busca, comparação de vagas e a comunicação direta com empregadores ou agências, aumentando a transparência e as opções.
A jornada do dekassegui é uma poderosa demonstração de como a globalização digital transformou a experiência migratória. O que antes era uma odisseia de isolamento e altos custos para manter laços, hoje se tornou uma experiência transnacional, onde a distância física persiste, mas a distância emocional e comunicacional foi drasticamente reduzida.


**Portal Mundo-Nipo**
Sucursal Japão
Jonathan Miyata é Correspondente Internacional do Canal Mundo-Nipo em Tóquio. Graduado em Jornalismo pela Universidade de São Paulo e com Pós-Graduação em Estudos Asiáticos pela Universidade de Tóquio (Todai). Atua na cobertura de política, tecnologia e cultura japonesa há mais de 8 anos, com passagens pelo grupo Abril antes de integrar o Mundo-Nipo.
Reportagem: Esta é uma descrição de eventos e ocorrências cujo conteúdo é rigorosamente fundamentado em dados e fatos. As informações são verificadas por meio da observação direta do repórter ou mediante consulta a fontes jornalísticas consideradas idôneas e confiáveis.
